quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Manifesto by Shuji Terayama















































Portuguese Translation:

M A N I F E S T O por Shuji Terayama



1) Plateia . . . A relação entre “aqueles que observam” e “aqueles que são observados” deve ser uma experiência compartilhada.


Ao mesmo tempo, a plateia deve adquirir um rosto, deve ser capaz de se auto-manifestar de tal maneira, de modo a que o indivíduo possa procurar a sua identidade nesse encontro.


Exigindo um encontro e seleccionando cuidadosamente espectadores que irão ter com os personagens, o teatro propaga fantasia colectiva. No entanto, este encontro é estéril a não ser que altere o mundo íntimo de todos os envolvidos. Já não é possível qualquer forma de expressão que nos obriga a ser visitantes de um zoo, observadores confinados numa ilhota segura. Esta “representação” da plateia dentro e fora da peça figurada pelos actores deve, todavia, ser largamente separada da política, tal como os lados opostos do Mediterrâneo.


2) Actor . . . O actor necessita da capacidade de desenvolver, na sua imaginação, uma situação mágica, de modo a implicar nela a “sua” plateia.

A função do actor não é, nem “ser observado”, nem “estar exposto a”, mas antes “saber instigar e fazer submergir” o outro.


O primeiro passo para actuar é criar um beco-sem-saída para a plateia.


De modo a dar um sentido à sua própria presença no palco, o actor deve ser capaz de criar a sua própria linguagem. De modo a exprimir esta situação mágica, ele deve possuir a capacidade de saltar sem ter pés.


A técnica de um actor consiste, acima de tudo, no seu poder de criar relações, isto é, contactos coesivos.


Teatro é caos.


Consequentemente, o actor deve eliminar as barreiras entre ele mesmo e os outros; ele tem de ser capaz de catalisar relações não-discrimatórias.


Dramaturgia é a criação de uma relação. Isto significa, um encontro através do drama que envolve implicitamente a recusa de olharmos para a relação actor/plateia como hierárquica, e por sua vez, ter a determinação de desenvolver uma relação que é tanto mutua como comum. Assim, o elemento da possibilidade penetra dentro da consciência de grupo, para que esta possa ser organizada.


Actuar é suster esta relação.


É importante compreender que o Drama não é o confronto do actor face às faculdades metonímicas da plateia. O actor é meramente um piloto abrindo-nos caminho para o Drama.


O actor não pode apontar, ele tem de nomear. Para atingir este fim, ele deve continuamente lutar para modernizar o seu estilo, porém nunca deve susceptibilizar-se a ser identificado com o objecto que representa.


A tarefa do actor, parafraseando Roland Barthes, é um acto metafórico.


O actor não pode memorizar cada acto individual, ele deve, pelo contrário, perpetuamente esquecer.


Cada nova situação é meramente a acumulação de tudo aquilo que foi esquecido.


3) Teatro . . . O teatro não é, nem um conjunto de infra-estruturas, nem um edifício. É a “ideologia” de um lugar onde os encontros dramáticos são criados.


Qualquer local pode vir a ser um espaço teatral. Ao mesmo tempo, se nenhum drama ocorrer aí, o teatro torna-se simplesmente parte da paisagem do nosso quotidiano.


Aqueles, como nós, que se consideram dramaturgos levam como ponto crucial sermos capazes de organizar a nossa imaginação de uma maneira tal que qualquer sítio possa ser transformado em teatro.


Na visão do grupo Tenjo Sajiki reflectirmos acerca do teatro, é reflectirmos acerca da cidade.

A teoria do teatro é a mesma que a da comunidade urbana e a sua topografia.


“O local” não é apenas uma ocasião geográfica. É igualmente uma estrutura nascida historicamente dependendo de tradições específicas e indígenas.


A metáfora das noções paradoxais de dentro e fora, exemplificadas por dois lados da mesma porta, devem esclarecer-nos a nossa concepção de teatro como um espaço sem contornos.


Na nossa peça Letters to the Blind, encarámos a escuridão como o nosso espaço teatral. Apresentando uma peça invisível, produzimos uma experiencia ficcional diferente das dos comuns dramas, que são sempre uma reprodução de uma forma convencional de narrativa. As dimensões da escuridão criadas tornaram-se numa réplica pura de espaço teatral.


Na nossa Opium War, propusemos o labirinto como espaço teatral. A peça nasce da procura pela plateia de se evadir. A plateia encarcerada, procurando a saída, é uma simbólica metonímica do labirinto, equivalente à busca efectuada pela plateia em encontrar personagens num teatro sem palco visível.


O teatro já não é um conjunto de infra-estruturas especialmente designadas para a actuação (ou performance), com lugares e um palco. É um lugar no qual se dá a oportunidade de procurar uma experiência compartilhada. Mas é também uma extensão flexível no tempo.


4) Texto . . . A nossa preocupação no teatro não é criarmos provas de que “drama é literatura”.


Antes disso, necessitamos da forma chamada teatro para criar novos tipos de encontro que diferem dos que a literatura proporciona, de modo a preenchermos o vazio entre os princípios da vida quotidiana e da vida ficcionada.


Primeiramente e importantíssimo: teatro tem de ser cortado da literatura. Para fazermos isso, é mister separarmos os conceitos de teatro e peça.


Isto não significa uma disputa pela primazia das palavras. Mas é um equívoco considerar estas equivalentes às da peça. Sinto que confinar o Logos (a noção originária palavra) apenas ao domínio da escrita é obtuso.


O discurso – como eu o entendo – nunca é uma linguagem literária. É algo bastante mais biológico e espiritual, no sentido de este representar a função original da linguagem. [comunicar]


Nem o teatro como literatura, nem a literatura como teatro tem que ver com a função que eu dou às “palavras”.


Valerá mesmo a pena reconstruir, mais uma vez, com actores vivos, textos que já foram escritos e classificados?


Não digo com isto que devíamos abandonar o prazer de lermos peças escritas. Mas sinto que devíamos despedirmos do teatro do nosso tempo, que confundiu a peça – uma forma independente de literatura – com o teatro, e fez que o último se tornasse num escravo das palavras, pois o discurso do actor está ditado em linhas impressas.


Prefiro olhar para o texto não como algo que tem de ser lido palavra por palavra, mas como um mapa. É dito que a história dos mapas é mais antiga do que a da literatura. Mesmo na pré-história, o homem tinha de fazer representações geográficas de modo a compreender onde estava e para onde poderia ir. Se o território representado no diagrama, pode ser percorrido pelos pés humanos, isso pertence à História. Se não puder ser tão bem percorrido, se for um jardim imaginário da selvajaria das relações humanas, ou da intimidade do corpo humano, então isso pertence ao reino do Drama.


Tal como um mapa pode ser lido de várias maneiras e pode dar a possibilidade de estabelecer encontros fortuitos, então o texto também é esse guia que nos dá a liberdade de andarmos ou retrocedermos por entre o “interior” e o “exterior” da geografia de uma viagem imaginária teatral compartilhada para com a plateia.

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