quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Pastoral: To Die in the Country

Portuguese Translation:

Texto e entrevista tirada do dossier de imprensa original (1974)
Sinopse: Um rapaz de quinze anos vive sozinho com a mãe numa velha casa perto da Montanha do Medo. Ele tem vontade de apanhar o comboio, de ir para longe, de abandonar a sua mãe.
Algumas vezes, ele vai discutir com o pai defunto que lhe fala pela boca de uma médium na Montanha do Medo. Um dia, misturando-se com as pessoas de um circo instalado na aldeia, trava conhecimento com a Mulher-Balão. Fica progressivamente com mais vontade de partir...
O rapaz tem uma admiração incondicional pela jovem vizinha casada. Quando ela lhe propõe fugir juntos, ele fica disposto a fazer tudo para a acompanhar.
Aí acaba a primeira narração autobiográfica do cineasta. No caminho para casa, o autor encontra-se na presença dele mesmo enquanto criança, que o acusa de ter falsificado, floreado o seu passado. Ele inicia uma viagem através da sua infância afim de a modificar. Depois do encontro com a criança que era, ele tenta matar a sua mãe, mas será que por se desembaraçar da existência maternal poderá libertar-se realmente da sua existência passada?


Introdução do realizador:
A minha infância, os grandes jogos de escondidas... Era eu que procurava os outros, e ninguém respondia aos meus apelos.
No fim do dia, os músicos do circo vizinho, que ensaiavam para o espectáculo no dia seguinte, tinham ido deitar-se. E eu, ao longo de um caminho deserto, no interior desse ambiente campestre onde nascera, procurava os meus pequenos amigos. Mas onde é que eles estavam?
Uma luz filtrava as janelas da casa. De fora, observo aquele que, na sala, serve a comida aos seus. Reconhecia, naquele verdadeiro chefe de família, uma das crianças que partia para se ir esconder no princípio do jogo. Todos os outros tinham também envelhecido. Eles tinham escapado às minhas buscas. Eles reconduziam-me à minha infância.
Se queremos libertar-nos, liquidar em nós toda a história da humanidade, e, à nossa volta, a de toda a sociedade, é preciso evacuar as nossas próprias memórias. Mas nesse momento, a nossa memória começa a jogar às escondidas connosco e não pode, debalde, libertar-se totalmente.
Neste filme, onde a personagem central decide levar a cabo uma revisão do seu passado, propus-me a encontrar com ele, a sua identidade. E nesse caminho, a identidade de todos nós.

Shuji Terayama

Entrevista de Shuji Terayama:

Q: Quando era criança foi recolhido por um familiar, proprietário de um cinema, descobrindo assim a magia deste modo de expressão. Quais são os filmes que mais o marcaram?
Terayama: O meu primeiro contacto com o cinema, nessa época, limitou-se ao som: era por detrás do ecrã que eu tinha "o meu pequeno lugar", o que fazia que eu ficasse privado da imagem - e que explica talvez a importância que eu dou à banda-sonora, principalmente em «Throw Away your Books, Rally in the Streets».
Por exemplo, a minha primeira obra de autor foi um drama radiofónico. Vou acrescentar sem alguma modéstia, que me consideravam um "génio da rádio" e inclusive obtive vários prémios radiofónicos internacionais. O primeiro filme completo que me impressionara fortemente foi «Les Enfants du Paradis», particularmente a cena em que Marcel Herrand baixa a cortina e mostra uma cena de amor, tornando-se o autor dessa mesma cena, que parece ser a sua obra.

Q: O que conduziu, mais tarde, a ser crítico de boxe?
T: O Boxe é uma peça de teatro jogada silenciosamente a dois. É um "À espera de Godot" sem palavras. Ainda por cima é muito erótico. Na minha infância, pratiquei Boxe. Não podendo continuar, tornei-me crítico. O Boxe mostra que a força física tem tendência a perder importância no mundo cultural contemporâneo. Será isso um vantagem? Será isso um desvantagem?

Q: Como nasceu "DEN'EN NI SHISU", a colectânea de poemas tornada, mais tarde, «Pastoral: To Die in the Country» e porque quis fazer, mais tarde, um filme?
T: Comecei a escrever poemas desde adolescente. Com 26 anos, decidi renunciar a poesia mas, antes de parar, quis escrever sobre a minha infância e permanecer lá. Foi assim que nasceu Pastoral , a colectânea de poemas.
É necessário lembrar que depois da guerra tudo estava em ruínas, tudo estava a refazer-se para as crianças e que também, a partir do caos, tudo era admitido. Quanto a mim, quis impor uma forma; escolhi o poema pelo rigor do ritmo. Pelo contrário, depois de 60, o Japão tornou-se um País subserviente, repleto de obrigações e, quando o mundo não tem liberdade, é preciso, mais do que nunca, encontrar uma forma de expressão livre.
Porquê, depois, um filme? Porque eu considerei que a colectânea de poemas não traduzia a minha verdadeira (?) infância, ela estava fabricada. Quis decompor a minha memória para me libertar da minha infância. Não penso que consegui, pois o cinema também impõe regras. Talvez não conseguisse traduzir a minha infância, mas consegui filmá-la diferentemente. Queria passar do interior para o exterior - para depois reentrar no interior. O poema é, o mais das vezes, um monólogo. Mas o cinema arrisca-se a sê-lo igualmente.
Claro que existe onirismo no filme. Surrealismo, não sei. Mas está marcado por Lautréamont e "Les Chants de Maldoror". Da mesma forma, fui influenciado por Marcel Duchamp e pelo compositor John Cage... O nosso olho não vê senão a superfície. Quiçá, com uma faca sou tentado a abrir o olho para ver o outro mundo que não se pode ver. Gosto também do Luis Buñuel de «Un Chien Andalou».

Q: O que levou a fundar um teatro-laboratório e a ser um dramaturgo?
T: Eu queria utilizar a poesia "com o corpo". O teatro é poesia incarnada. Por isso, em 1965, fundei um teatro-laboratório, um teatro que mistura público e actores, que desce à rua, que vai à província e cuja missão é misturar elementos.

Q: Quando abordou a mise-en-scène de cinema, tem certamente mestres. Quais?
T: Na minha infância, Luis Buñuel e «Un Chien Andalou». Mas não foram cineastas que me deram esse impulso... não acredito. Todavia, aprecio bastante e fiquei ,sem dúvida, comovido por Glauber Rocha e «Antonio das Mortes», Fellini e «8 1/2», Antonioni e «L'Éclipse».

Q: O que o comove mais na vida actual com ligações ao cinema?
T: A vida actual é um cruzamento de realidade e ficção. Não vemos quase sempre a fronteira. Enganamo-nos... Tudo o que filmamos é ficção: sabemo-lo. Na vida, não. Por exemplo, em cinema se alguém dispara, é considerado um herói. Se o fazemos na Praça Saint-Michel, tornamo-nos um criminoso. Em cinema fingimos fazer amor, na vida, fazemos amor. Se calhar, um dia, no cinema, mataremos verdadeiramente. Na vida real , fazemos cinema, simulamos e enganamo-nos.

Q: Queria viver noutra época e com outra identidade? Qual?
T: Adoraria viver na Idade Média - e ser Casanova.

Q: Fora do Japão, em que país gostaria de viver ou trabalhar? Porquê?
T: Em qualquer sítio, Paris, Borne, Londres ou Nova Iorque - com a condição de ter gente. Deserto, jamais!

Q: Quais são os grandes homens mortos que gostaria de ter conhecido? Porquê?
T: Receberia em minha casa Karl Marx, Jayne Mansfield, Lautréamont, Jack Dempsey, Leonardo Da Vinci, Billy the Kid e Benjamin Franklin...

Q: Entre os nossos contemporâneos, quais são aqueles que gostaria de encontrar? Porquê?
T: Todas as mulheres que se interessam por mim... estou a brincar. Jorge Luis Borges - não, não tenho a certeza que gostaria de o encontrar. A sua obra é-me suficiente.

Q: Quem acredita ser? Quem gostaria de ser?
T: Acredito ser Shuji Terayama. A minha profissão é ser Shuji Terayama. Quem gostaria de ser? Shuji Terayama. Mas um ser humano não é um ser paralisado: está em constante devir. E queria aplicar a teoria do paradoxo para o ser humano também. Sabem? Para alcançar a tartaruga a lebre faz meio-caminho, a tartaruga também, mas a lebre não alcança nunca a tartaruga...O ser humano quer tornar-se alguém, mas faz o seu caminho, o seu desejo deforma-o, desloca-o, portanto, não o alcança jamais.

Q: Tem uma máxima de vida?
T: «A vida não é mais do que um adeus»: É um velho provérbio chinês.

Q: Se não fosse um autor/realizador de filmes, de que maneira gostaria de participar no mundo?
T: Sendo um revolucionário - mas nunca um homem político! Os pseudo-revolucionários desejavam fundar uma nova sociedade e, o mais das vezes, tornavam-se homens políticos. Os verdadeiros provocam o estado da revolução. Num sentido, Trotsky era um surrealista.

Q: Quais são, segundo você, os seus características e os handicaps?
T: As características? Não tenho família, não tenho saúde, não tenho dinheiro. Os meus handicaps? As mesmas coisas...

Q: O que é que lhe traz instintos, inteligência e sensibilidade?
T: Eu penso que esses três elementos formam um composto, não podem ser dissociados.

Q: Qual é a sua paisagem ideal?
T: À noite, sou obcecado por uma paisagem: abro uma porta e encontro-me no topo de um rochedo, à minha frente, o mar, vazio... Isto é um sonho. A minha paisagem ideal carrega uma loucura, aquela de um campo de corridas, aquela de uma festa. Apenas estou bem onde há imensa gente; aí posso estar só - escolhendo-o posso esconder-me, apagar-me.

Q: O que o repele mais nas pessoas e nos valores actuais?
T: Não gosto das pessoas que se defendem contra as mudanças, a evolução, que aldrabam a sua vida e fazem dela uma natureza-morta. Nos valores, aquilo que me repele é o "eu-mesmismo", a tradição, a prudência, o conservadorismo, tal como se pratica no Japão. Desta maneira, o Partido Comunista Japonês não é comunista, é conservador.

Q: Onde se situa, hoje, em relação às suas ambições e aos seus sonhos?
T: Eu tenho - e eu perco - ambições. Eu desloco-me...

Q: De que se alegra?
T: Questionar-me quais são os novos encontros humanos que me esperam.

Q: Quais são os seus futuros projectos cinematográficos?
T: Tenho muitas ideias. Tenho cinco projectos de filmes, mas procuro ainda produtor. Adoro os fait-divers que os jornais publicam e encontro imensas ideias para os meus filmes. Tenho, assim, na cabeça muitos temas: a metamorfose, os muros que caem, revolução das crianças, um crime cometido por uma criança, Jack o Estripador, a relação entre uma criança que descobre um novo cometa e o desaparecimento de um Japonês médio (talvez, transformado nesse cometa). Tenho também vontade de realizar um filme na Europa.

Q: Os seus filmes são carregados de símbolos, de «Throw Away your Books, Rally in the Streets» até «Pastoral: To Die in the Country» há carris, relógios, adolescentes violados, mães. Pode-nos falar sobre isso?
T: Os carris são, para mim, uma coisa muito triste: a felicidade para os seres consiste em se juntarem, mas os carris não se juntam jamais. Quanto aos relógios, desde a minha infância, fui condicionado por eles através da família, da terra: igualmente, eu queria condenar os relógios e ter "a minha própria hora". Sobre os adolescentes violados, pode ser que se possa tornar adulto, violando, mas, naquilo que me diz respeito, só pude ser violado. Mas no meu próximo filme, talvez o rapaz viole... E a mãe, a mãe é como uma casca de ovo, para que a gema salte é preciso, quebrá-la! No Japão, o matriarcado é muito poderoso, o pai demite-se, ele morre muitas vezes na guerra. Claro que esta é apenas a minha concepção, mas eu acredito que ela continua. Mesmo na religião japonesa, não existe Deus que represente o pai. No Ocidente, é a pecuária que conta e isso é um princípio paternal. O Japão é um pais de agricultura que relembra a matriz maternal. Às vezes, no Japão chamamos ao corpo maternal o "campo". E «Pastoral: To Die in the Country» evoca a terra, a cultura, as estações, o renovamento, as colheitas, a mãe...

(original french version in Les films libèrent la tête)

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