Portuguese Translation
Entrevista originalmente publicada nos Cahiers du Cinéma #645 (Maio de 2009)
Tem lembraças particulares da França?
A polícia francesa prendeu-me uma vez em Orly. Fizeram-me transferir em Charles-de-Gaulle para me enviarem outra vez para Tokyo. Para tentar sair da minha cela, defendi-me dizendo que era o productor do Império dos Sentidos.
Quais os polícias menos agradáveis, os franceses ou os japoneses?
Os moscovitas.
Estamos no Café Rouge, escolheu o sítio?
Nem por isso. Foi a Blaq Out, a distribuidora do filme
O vermelho tem uma grande importância no seu cinema. É, por um lado, o sangue, o sexo, o compromisso político. Representa também uma forma. Penso em filmes como Violated Angels, filmes exploitation em preto e branco, quando subitamente explode a cor vermelho.
Pura coincidência. O produtor, que não tinha muito dinheiro, pedia-me que filmasse em preto e branco e de juntar algumas cores. Foi por essa razão que eu adicionei o vermelho. Não foi especialmente escolhido por questões políticas.
O começo de United Red Army é composto por arquivos a preto e branco, onde as primeiras cenas de ficção se inserem progressivamente com uma cor um pouco murcha. Isso foi para criar uma continuidade?
Faltava homogeneidade. Por isso retoquei as cores para encontrar um melhor equilíbrio. No princípio, quis filmar o filme todo a preto e branco, mas nos nossos dias, as películas e o seu desenvolvimento são mais caras do que a cores.
As imagens documentais fazem parte dos seus próprios arquivos?
Comprei aquelas que mostram os combates contra a recondução do Tratado de Segurança, no princípio dos anos 60, outras imagens no final do movimento foram filmadas por mim, outra parte foram fornecidas por antigos estudantes.
Nas suas ficções dos anos 60, mostra manifestações onde a multidão toma a forma de uma serpente. Reencontramos essa figura em United Red Army.
A forma e o movimento da serpente é espectacular. Um dos meus antigos assistentes, estudante e militante na Universidade Nichidai disse-me que esse género de figura permitia a multidão de se aquecer e de se preparar para os afrontamentos com a polícia. Visualmente, dá-se um grande impacto. No United Red Army, os actores voltam a encenar essa figura de manifestação aos ziguezagues. Antigos estudantes mostraram-lhes como se fazia. Isso é bastante conforme o temperamento japonês. Se alguém dissesse numa manifestação para fazer a serpente, todo o mundo o seguiria. Se hoje alguém disser que o Koizumi [primeiro-ministro japonês] é muito bom, toda a gente fica de acordo.
O filme mostra a importância do papel e da qualidade dos líderes.
Dentro do Exército Vermelho Unificado, os líderes eram bastante maus. Eles não tinham competência e acabaram por cometer purgas. Quando um ser humano é fraco, o poder arrisca a derrapar. Assim, pudemos conhecer purgas na História. No Japão, criticar o patrão pode arriscar-nos a ser desempregados. É o nosso temperamento, não desobedecemos facilmente.
No ano de 1968 era um militante ou um cineasta?
Cheguei a Tokyo aos dezassete anos e não fiz estudos superiores. Fui Yakuza. Por causa de uma luta, acabei na prisão. Fui condenado, porque não era obediente. Tive vontade de matar os lacaios que me tinham aprisionado. Isso apenas serviu para meter-me novamente na prisão. Então disse a mim próprio que era necessário matá-los simbolicamente, no ecrã. Queria ser, a todo o custo, cineasta. Depositei toda a minha cólera nos filmes. Para mim, o cinema era uma arma.
Nos seus filmes mais antigos, a rebelião encontra muitas vezes a sexualidade.
A sexualidade é importante, da mesma forma que a comida ou a politica. Mas no meu cinema, ela era também uma arma para atrair o público.
United Red Army é bastante púdico. O único momento sexual, dentro da cabana, é reprimido. A única sensualidade reside na amizade que se cria entre Toyama e Shigenobu.
Essas duas raparigas, Toyama e Shigenobu partilharam uma amizade muito profunda. Eu conheci-as. Shigenobu pediu a Toyama que me ajudasse a mostrar um filme, na altura. Mas eu não utilizaria a palavra "sensualidade" para descrever a sua relação.
A dirigente da Facção Revolucionária de esquerda, Hiroko Nagata tem claramente ciúmes de Toyama.
Ao que parece, Nagata era uma pessoa muito gentil e que seria inimaginável pensar que ela se tornasse aquilo que vemos no filme. Ela foi expulsa do Partido Comunista, o que lhe deu vontade de ser líder. Ela era complexada e muito ciumenta em relação a Toyama, que era muito bela.
Shigenobu fazia parte dos dirigentes que tiveram de sair do Japão. Porquê unir-se aos movimentos longínquos como o FPLP [Frente Popular de Libertação da Palestina] no Líbano?
No Líbano, havia gente de África, da América do Sul, da Alemanha: militantes do mundo inteiro encontravam-se ali para participar em treinos militares. Os do Exército Vermelho Japonês, o movimento fundado por Shigenobu, partiram apenas com a ideia de poderem voltar para trazer a revolução ao Japão. O que se afigurou impossível. Shigenobu acabou por ficar lá. Ela regressou, bastante mais tarde, e foi, de seguida, presa. Outros ficaram presos no Líbano e, depois, extraditados para o Japão.
Em 1971, realizou um tratado cinematográfico de propaganda em favor da luta armada para o FPLP: The Red Army/ PFLP: Declaration of World War. Em que condições se fez esse filme?
Em 1970, Ai no Technique: Kama Sutra trouxe-me bastantes lucros e perguntei-me o que poderia fazer. Todo o mundo centrava-se na guerra do Vietname. O meu colaborador, Masao Adachi despertou a minha atenção sobre o que se passava na Palestina. Nesse ano, apresentei dois dos meus filmes na Quinzaine des Réalisateurs em Cannes. De seguida, apanhei o avião para o Líbano para realizar um filme sobre o FPLP. Foi nestas condições que encontrei Shigenobu, que nos reconduziu à Embaixada do Japão como ínterprete. Ela mostrou-nos os campos de treino militar e as frentes de combate. Ela tinha total confiança com os membros da FPLP e tratou de tudo para as filmagens.
O seu destino era de mostrar o filme nas salas e constituir um arquivo?
Era a primeira vez que eu filmava um documentário, apesar de incluir, na altura, passagens documentais nos meus filmes de ficção. A ideia era vender o filme a grandes preços às cadeias de televisão, já que ninguém falava do que se passava lá. Uma vez no terreno, compreendi o sentido do combate para os Palestinianos, e que não podia, consequentemente, vender as imagens aos canais de televisão. Regressado ao Japão, mostrei o filme nas universidades em congregados, dentro e fora dos círculos habituais. Israel começou a interessar-se por mim. Os países europeus fecharam-me as portas e ainda hoje, não tenho o direito de visitar os Estados Unidos. Foi um filme que realmente mudou a minha vida e me encurtou as liberdades.
A segunda parte de United Red Army, que mostra a reconciliação da Fracção Revolucionária de Esquerda e da Facção Exército Vermelho, recorre menos ao documentário, mas continua com uma precisão impressionante. Como procedeu?
O início documental do filme é extremamente importante, porque a geração mais jovem não sabe o que se passou antes de 1972 e eu tinha de o mostrar. Tive então de meter os meus actores nas condições mais extremas para que eles pudessem representar aquilo que se passou. Consultei bastantes arquivos, contactei todas as pessoas ainda vivas e livres para falarem Encontrei-me três vezes no Líbano, com Kunio Bando, um dos cinco jovens de Asama. Um jornalista e uma editora de livros trabalharam na documentação. A partir daí, escrevi o argumento. Utilizei os nomes verdadeiros. Se essas pessoas não estiveram satisfeitas, elas podem fazer queixa. Ninguém o fez.
Kunio Bando quis participar no projecto? Trata-se para ele de remontar às atrocidades, que ele é co-responsável.
Ninguém escreveu sobre o que se passou no chalet. Não existe nenhum arquivo escrito. Cinco pessoas participaram. Dois foram condenados a prisão perpétua. Os outros dois são tão depressivos que são incapazes sequer de falar correctamente. O último é Bando. As duas primeiras vezes que o vi, não quis falar. A terceira, foi buscar as armas e sentiu que podia morrer. Ele decidiu confiar-me aquilo que se tinha passado. Depois da selecção do filme no Festival de Berlim, fui à Palestina e procurei-o por todo o lado, durante cinco dias, em vão. Fiquei verdadeiramente desiludido, pois foi graças a ele que consegui fazer o filme e era principalmente a ele que eu queria mostrar. Confiei o filme a alguém na esperança que lhe possam dar.
O filme mostra a relação particular que se instaura entre os dois dirigentes, Nagata e Mori.
O Exército Vermelho Unificado era a reunião de duas facções. Quando um membro de uma era víctima de uma purga, a outra facção tentava fazer a mesma coisa.
Costuma filmar regularmente nas suas casas. The Embryo Hunts in Secret (1965) foi filmado numa casa sua, da mesma forma que o chalet de Asama em United Red Army.
Falta de meios. Sempre fui obrigado a proceder assim. Tive dificuldades em arranjar o dinheiro necessário para United Red Army. Tive de hipotecar a minha casa em Tokyo e a minha sala de cinema. Inventei um sistema para reunir fundos, mas não consegui obter o budget necessário. A minha equipa trabalhou com salários risíveis e Jim O'Rourke compôs a música do filme gratuitamente. Para a cena do assalto do chalet de Asama, tive de destruir a casa que construira, há dez anos atrás.
Que é que motivava os actores? Representar para si ou o interesse que eles tinham pela temática?
Alguns queriam filmar comigo, mas isso foi muito dificil para os seus agentes, porque eu exijo uma disponibilidade absoluta durante a filmagem. É absolutamente necessário para a concentração. Foi igualmente difícil, pois cada um recebeu o mesmo, independentemente da notoriadade do actor. Consegui instaurar o comunismo na minha equipa.
É um filme que vos diz muito.
Sim, e disse-me sempre que se não o fizesse, morreria com remorsos. Pensava mesmo que este seria o meu último filme. Mas quando o acabei, tive vontade de fazer um outro, por isso, volto às filmagens assim que regressar ao Japão. Tratará a geração dos pais dos estudantes dos anos 60. A narrativa situa-se dois anos antes do dia da bomba atómica caída no Japão. É a história de um soldado japonês que recebeu incontáveis medalhas por ter morto imensa gente nos países asiáticos. A guerra apenas traz infelicidade e morte. Nenhuma guerra é justificável.
E a luta armada?
Hoje penso que apenas podemos mudar o Mundo através da via eleitoral.
Num dos seus mais belos filmes, Sex Jack (1970), o chefe de um grupo ainda pacífico deve escolher entre perder a sua liberdade e atentar contra a vida de um polícia. Enquanto espectador, estamos de acordo com o heroi que escolhe o revólver. Você também?
Fiz filmes terroristas. Na altura de Sex Jack, pensava profundamente que aquele rapaz tinha razão em matar o polícia, mas trata-se de um filme. Eu sou o realizador que matou mais polícias no ecrã, e ainda hoje tenho vontade de o fazer.
Como é que viveu a época dos acontecimentos narrados em United Red Army?
Mesmo depois do caso do chalet de Asama, mesmo depois de terem descoberto os cadáveres enterrados nas proximidades, fui sempre pela luta armada. Os estudantes tinham razão. Foi por isso que filmei Ecstacy of the Angels (1972), um filme dedicado à luta armada. Mas a minha visão da História evolui. Não penso que hoje a solução, para aqueles que queiram mudar o Mundo, resida na luta armada. Hoje quero acreditar que não se deve matar mais.
Como é que filmou a última parte no chalet de Asama?
Tudo foi filmado em dois dias. Era uma casa verdadeira: uma vez destruída, não podíamos filmar mais. No interior a minha equipa simulava os ataques da polícia com jactos de água e máquinas de demolição. Evidentemente, todos nós estavamos com medo. Como havia imensa água, fazia um frio terrível. Deviamos, por isso, filmar muito rápido, senão não suportaríamos mais. Assim, filmámos durante cinco horas por dia. Sem essa urgência, não teríamos conseguido essas imagens.
Descreveu o interior a partir das imagens gravadas e difundidas pela televisão?
Nenhuma televisão mostrou o que se passou no interior. Ninguém sabe. A televisão apenas filmou uma grande máquina que destruiu a casa. Claro que eu utilisei todos os elementos disponíveis. As vozes das mães, principalmente. Mas foi Kunio Bando que me contou o que realmente se passou: todos estavam prontos a morrer se aquilo permitisse mudar as coisas. Mas os polícias queriam capturar os rapazes vivos, a todo o custo, para evitar que fossem heróis, mártires.
Que significou aquilo que toda a gente viu na televisão?
A televisão difundiu dez dias de imagens durante a captura dos reféns e atingiu os 89,7% de audiências. Toda a gente viu aquelas imagens. Os rapazes foram apresentados como criminais. A polícia podia tê-los preso desde o primeiro dia, mas esperou pelo décimo. Uma vez que puderam mostrar o quão eram maldosos, prendeu-os. A polícia conseguiu usar os media.
Por isso tratou-se de uma espécie de ficção.
Era necessário que a polícia mostrasse quanto era difícil para ela e quais os esforços que foram empregues para salvar a refém.
Teve desde aquela época vontade de escrever um contra-argumento para essa história?
Sim, mas não realizar um filme que tivesse simplesmente transmitido uma outra visão das coisas. Eu era visto como um próximo do Exército Vermelho, a polícia pensava que eu financiava as suas actividades. Durante muito tempo, não me autorizei a filmar este filme, esperando que outro o fizesse. Recentemente, houve três. Um filmado por Kazuyoshi Kumakiri, Kichiku; outro por Banmei Takahashi, Hikari no Ame; e o terceiro por Masato Harada, a partir das memórias de um polícia chamado Sasa, The Choice of Hercules. Eles eram tão pouco convincentes ou mentirosos que decidi fazer um filme que pudesse transmitir a verdade.
A refém parece ter empatia com os cinco rapazes. Ela chegou a testemunhar?
Não. Ela recusou sempre que se citasse o seu nome. Depois de ser salva, apenas disse que os cinco rapazes foram muito gentis, calmos e educados. Os activistas são geralmente assim. A refém, deve-se dizer, era muito nova e bonita. Era estranho o facto de viver e trabalhar assim num região recatada. Na realidade - não tenho o direito de contar tudo - foi uma mulher com um passado criminal. Ela fugiu para a ilha de Kyushu com o seu amante e refugiou-se na profundeza das montanhas onde se escondiam outros criminosos. Ela fez um acordo com a polícia, que aceitou de apagar o seu cadastro judicial em troca do seu silencio. Ainda hoje, o canal de televisão NHK não pára de lhe pedir que testemunhe.
Depois da projecção de The Embryo Hunts in Secret na Europa, ovos foram lançados em certos cinemas. Quais foram as reacções que suscitou United Red Army?
Depois da filmagem, ninguém quis me ajudar a financiar o filme. Do lado do poder, não queriam que eu fizesse este filme, incluíndo os partidos politicos de esquerda. O ministro da Cultura não me deu um cêntimo. Depois do filme, bastantes antigos participantes saídos da prisão puderam enfim falar publicamente. Foi o que permitiu a alguns, por exemplo o jornalista Tahara, de fazer uma auto-crítica, e as publicações sobre este tema multiplicam-se.
Quais os polícias menos agradáveis, os franceses ou os japoneses?
Os moscovitas.
Estamos no Café Rouge, escolheu o sítio?
Nem por isso. Foi a Blaq Out, a distribuidora do filme
O vermelho tem uma grande importância no seu cinema. É, por um lado, o sangue, o sexo, o compromisso político. Representa também uma forma. Penso em filmes como Violated Angels, filmes exploitation em preto e branco, quando subitamente explode a cor vermelho.
Pura coincidência. O produtor, que não tinha muito dinheiro, pedia-me que filmasse em preto e branco e de juntar algumas cores. Foi por essa razão que eu adicionei o vermelho. Não foi especialmente escolhido por questões políticas.
O começo de United Red Army é composto por arquivos a preto e branco, onde as primeiras cenas de ficção se inserem progressivamente com uma cor um pouco murcha. Isso foi para criar uma continuidade?
Faltava homogeneidade. Por isso retoquei as cores para encontrar um melhor equilíbrio. No princípio, quis filmar o filme todo a preto e branco, mas nos nossos dias, as películas e o seu desenvolvimento são mais caras do que a cores.
As imagens documentais fazem parte dos seus próprios arquivos?
Comprei aquelas que mostram os combates contra a recondução do Tratado de Segurança, no princípio dos anos 60, outras imagens no final do movimento foram filmadas por mim, outra parte foram fornecidas por antigos estudantes.
Nas suas ficções dos anos 60, mostra manifestações onde a multidão toma a forma de uma serpente. Reencontramos essa figura em United Red Army.
A forma e o movimento da serpente é espectacular. Um dos meus antigos assistentes, estudante e militante na Universidade Nichidai disse-me que esse género de figura permitia a multidão de se aquecer e de se preparar para os afrontamentos com a polícia. Visualmente, dá-se um grande impacto. No United Red Army, os actores voltam a encenar essa figura de manifestação aos ziguezagues. Antigos estudantes mostraram-lhes como se fazia. Isso é bastante conforme o temperamento japonês. Se alguém dissesse numa manifestação para fazer a serpente, todo o mundo o seguiria. Se hoje alguém disser que o Koizumi [primeiro-ministro japonês] é muito bom, toda a gente fica de acordo.
O filme mostra a importância do papel e da qualidade dos líderes.
Dentro do Exército Vermelho Unificado, os líderes eram bastante maus. Eles não tinham competência e acabaram por cometer purgas. Quando um ser humano é fraco, o poder arrisca a derrapar. Assim, pudemos conhecer purgas na História. No Japão, criticar o patrão pode arriscar-nos a ser desempregados. É o nosso temperamento, não desobedecemos facilmente.
No ano de 1968 era um militante ou um cineasta?
Cheguei a Tokyo aos dezassete anos e não fiz estudos superiores. Fui Yakuza. Por causa de uma luta, acabei na prisão. Fui condenado, porque não era obediente. Tive vontade de matar os lacaios que me tinham aprisionado. Isso apenas serviu para meter-me novamente na prisão. Então disse a mim próprio que era necessário matá-los simbolicamente, no ecrã. Queria ser, a todo o custo, cineasta. Depositei toda a minha cólera nos filmes. Para mim, o cinema era uma arma.
Nos seus filmes mais antigos, a rebelião encontra muitas vezes a sexualidade.
A sexualidade é importante, da mesma forma que a comida ou a politica. Mas no meu cinema, ela era também uma arma para atrair o público.
United Red Army é bastante púdico. O único momento sexual, dentro da cabana, é reprimido. A única sensualidade reside na amizade que se cria entre Toyama e Shigenobu.
Essas duas raparigas, Toyama e Shigenobu partilharam uma amizade muito profunda. Eu conheci-as. Shigenobu pediu a Toyama que me ajudasse a mostrar um filme, na altura. Mas eu não utilizaria a palavra "sensualidade" para descrever a sua relação.
A dirigente da Facção Revolucionária de esquerda, Hiroko Nagata tem claramente ciúmes de Toyama.
Ao que parece, Nagata era uma pessoa muito gentil e que seria inimaginável pensar que ela se tornasse aquilo que vemos no filme. Ela foi expulsa do Partido Comunista, o que lhe deu vontade de ser líder. Ela era complexada e muito ciumenta em relação a Toyama, que era muito bela.
Shigenobu fazia parte dos dirigentes que tiveram de sair do Japão. Porquê unir-se aos movimentos longínquos como o FPLP [Frente Popular de Libertação da Palestina] no Líbano?
No Líbano, havia gente de África, da América do Sul, da Alemanha: militantes do mundo inteiro encontravam-se ali para participar em treinos militares. Os do Exército Vermelho Japonês, o movimento fundado por Shigenobu, partiram apenas com a ideia de poderem voltar para trazer a revolução ao Japão. O que se afigurou impossível. Shigenobu acabou por ficar lá. Ela regressou, bastante mais tarde, e foi, de seguida, presa. Outros ficaram presos no Líbano e, depois, extraditados para o Japão.
Em 1971, realizou um tratado cinematográfico de propaganda em favor da luta armada para o FPLP: The Red Army/ PFLP: Declaration of World War. Em que condições se fez esse filme?
Em 1970, Ai no Technique: Kama Sutra trouxe-me bastantes lucros e perguntei-me o que poderia fazer. Todo o mundo centrava-se na guerra do Vietname. O meu colaborador, Masao Adachi despertou a minha atenção sobre o que se passava na Palestina. Nesse ano, apresentei dois dos meus filmes na Quinzaine des Réalisateurs em Cannes. De seguida, apanhei o avião para o Líbano para realizar um filme sobre o FPLP. Foi nestas condições que encontrei Shigenobu, que nos reconduziu à Embaixada do Japão como ínterprete. Ela mostrou-nos os campos de treino militar e as frentes de combate. Ela tinha total confiança com os membros da FPLP e tratou de tudo para as filmagens.
O seu destino era de mostrar o filme nas salas e constituir um arquivo?
Era a primeira vez que eu filmava um documentário, apesar de incluir, na altura, passagens documentais nos meus filmes de ficção. A ideia era vender o filme a grandes preços às cadeias de televisão, já que ninguém falava do que se passava lá. Uma vez no terreno, compreendi o sentido do combate para os Palestinianos, e que não podia, consequentemente, vender as imagens aos canais de televisão. Regressado ao Japão, mostrei o filme nas universidades em congregados, dentro e fora dos círculos habituais. Israel começou a interessar-se por mim. Os países europeus fecharam-me as portas e ainda hoje, não tenho o direito de visitar os Estados Unidos. Foi um filme que realmente mudou a minha vida e me encurtou as liberdades.
A segunda parte de United Red Army, que mostra a reconciliação da Fracção Revolucionária de Esquerda e da Facção Exército Vermelho, recorre menos ao documentário, mas continua com uma precisão impressionante. Como procedeu?
O início documental do filme é extremamente importante, porque a geração mais jovem não sabe o que se passou antes de 1972 e eu tinha de o mostrar. Tive então de meter os meus actores nas condições mais extremas para que eles pudessem representar aquilo que se passou. Consultei bastantes arquivos, contactei todas as pessoas ainda vivas e livres para falarem Encontrei-me três vezes no Líbano, com Kunio Bando, um dos cinco jovens de Asama. Um jornalista e uma editora de livros trabalharam na documentação. A partir daí, escrevi o argumento. Utilizei os nomes verdadeiros. Se essas pessoas não estiveram satisfeitas, elas podem fazer queixa. Ninguém o fez.
Kunio Bando quis participar no projecto? Trata-se para ele de remontar às atrocidades, que ele é co-responsável.
Ninguém escreveu sobre o que se passou no chalet. Não existe nenhum arquivo escrito. Cinco pessoas participaram. Dois foram condenados a prisão perpétua. Os outros dois são tão depressivos que são incapazes sequer de falar correctamente. O último é Bando. As duas primeiras vezes que o vi, não quis falar. A terceira, foi buscar as armas e sentiu que podia morrer. Ele decidiu confiar-me aquilo que se tinha passado. Depois da selecção do filme no Festival de Berlim, fui à Palestina e procurei-o por todo o lado, durante cinco dias, em vão. Fiquei verdadeiramente desiludido, pois foi graças a ele que consegui fazer o filme e era principalmente a ele que eu queria mostrar. Confiei o filme a alguém na esperança que lhe possam dar.
O filme mostra a relação particular que se instaura entre os dois dirigentes, Nagata e Mori.
O Exército Vermelho Unificado era a reunião de duas facções. Quando um membro de uma era víctima de uma purga, a outra facção tentava fazer a mesma coisa.
Costuma filmar regularmente nas suas casas. The Embryo Hunts in Secret (1965) foi filmado numa casa sua, da mesma forma que o chalet de Asama em United Red Army.
Falta de meios. Sempre fui obrigado a proceder assim. Tive dificuldades em arranjar o dinheiro necessário para United Red Army. Tive de hipotecar a minha casa em Tokyo e a minha sala de cinema. Inventei um sistema para reunir fundos, mas não consegui obter o budget necessário. A minha equipa trabalhou com salários risíveis e Jim O'Rourke compôs a música do filme gratuitamente. Para a cena do assalto do chalet de Asama, tive de destruir a casa que construira, há dez anos atrás.
Que é que motivava os actores? Representar para si ou o interesse que eles tinham pela temática?
Alguns queriam filmar comigo, mas isso foi muito dificil para os seus agentes, porque eu exijo uma disponibilidade absoluta durante a filmagem. É absolutamente necessário para a concentração. Foi igualmente difícil, pois cada um recebeu o mesmo, independentemente da notoriadade do actor. Consegui instaurar o comunismo na minha equipa.
É um filme que vos diz muito.
Sim, e disse-me sempre que se não o fizesse, morreria com remorsos. Pensava mesmo que este seria o meu último filme. Mas quando o acabei, tive vontade de fazer um outro, por isso, volto às filmagens assim que regressar ao Japão. Tratará a geração dos pais dos estudantes dos anos 60. A narrativa situa-se dois anos antes do dia da bomba atómica caída no Japão. É a história de um soldado japonês que recebeu incontáveis medalhas por ter morto imensa gente nos países asiáticos. A guerra apenas traz infelicidade e morte. Nenhuma guerra é justificável.
E a luta armada?
Hoje penso que apenas podemos mudar o Mundo através da via eleitoral.
Num dos seus mais belos filmes, Sex Jack (1970), o chefe de um grupo ainda pacífico deve escolher entre perder a sua liberdade e atentar contra a vida de um polícia. Enquanto espectador, estamos de acordo com o heroi que escolhe o revólver. Você também?
Fiz filmes terroristas. Na altura de Sex Jack, pensava profundamente que aquele rapaz tinha razão em matar o polícia, mas trata-se de um filme. Eu sou o realizador que matou mais polícias no ecrã, e ainda hoje tenho vontade de o fazer.
Como é que viveu a época dos acontecimentos narrados em United Red Army?
Mesmo depois do caso do chalet de Asama, mesmo depois de terem descoberto os cadáveres enterrados nas proximidades, fui sempre pela luta armada. Os estudantes tinham razão. Foi por isso que filmei Ecstacy of the Angels (1972), um filme dedicado à luta armada. Mas a minha visão da História evolui. Não penso que hoje a solução, para aqueles que queiram mudar o Mundo, resida na luta armada. Hoje quero acreditar que não se deve matar mais.
Como é que filmou a última parte no chalet de Asama?
Tudo foi filmado em dois dias. Era uma casa verdadeira: uma vez destruída, não podíamos filmar mais. No interior a minha equipa simulava os ataques da polícia com jactos de água e máquinas de demolição. Evidentemente, todos nós estavamos com medo. Como havia imensa água, fazia um frio terrível. Deviamos, por isso, filmar muito rápido, senão não suportaríamos mais. Assim, filmámos durante cinco horas por dia. Sem essa urgência, não teríamos conseguido essas imagens.
Descreveu o interior a partir das imagens gravadas e difundidas pela televisão?
Nenhuma televisão mostrou o que se passou no interior. Ninguém sabe. A televisão apenas filmou uma grande máquina que destruiu a casa. Claro que eu utilisei todos os elementos disponíveis. As vozes das mães, principalmente. Mas foi Kunio Bando que me contou o que realmente se passou: todos estavam prontos a morrer se aquilo permitisse mudar as coisas. Mas os polícias queriam capturar os rapazes vivos, a todo o custo, para evitar que fossem heróis, mártires.
Que significou aquilo que toda a gente viu na televisão?
A televisão difundiu dez dias de imagens durante a captura dos reféns e atingiu os 89,7% de audiências. Toda a gente viu aquelas imagens. Os rapazes foram apresentados como criminais. A polícia podia tê-los preso desde o primeiro dia, mas esperou pelo décimo. Uma vez que puderam mostrar o quão eram maldosos, prendeu-os. A polícia conseguiu usar os media.
Por isso tratou-se de uma espécie de ficção.
Era necessário que a polícia mostrasse quanto era difícil para ela e quais os esforços que foram empregues para salvar a refém.
Teve desde aquela época vontade de escrever um contra-argumento para essa história?
Sim, mas não realizar um filme que tivesse simplesmente transmitido uma outra visão das coisas. Eu era visto como um próximo do Exército Vermelho, a polícia pensava que eu financiava as suas actividades. Durante muito tempo, não me autorizei a filmar este filme, esperando que outro o fizesse. Recentemente, houve três. Um filmado por Kazuyoshi Kumakiri, Kichiku; outro por Banmei Takahashi, Hikari no Ame; e o terceiro por Masato Harada, a partir das memórias de um polícia chamado Sasa, The Choice of Hercules. Eles eram tão pouco convincentes ou mentirosos que decidi fazer um filme que pudesse transmitir a verdade.
A refém parece ter empatia com os cinco rapazes. Ela chegou a testemunhar?
Não. Ela recusou sempre que se citasse o seu nome. Depois de ser salva, apenas disse que os cinco rapazes foram muito gentis, calmos e educados. Os activistas são geralmente assim. A refém, deve-se dizer, era muito nova e bonita. Era estranho o facto de viver e trabalhar assim num região recatada. Na realidade - não tenho o direito de contar tudo - foi uma mulher com um passado criminal. Ela fugiu para a ilha de Kyushu com o seu amante e refugiou-se na profundeza das montanhas onde se escondiam outros criminosos. Ela fez um acordo com a polícia, que aceitou de apagar o seu cadastro judicial em troca do seu silencio. Ainda hoje, o canal de televisão NHK não pára de lhe pedir que testemunhe.
Depois da projecção de The Embryo Hunts in Secret na Europa, ovos foram lançados em certos cinemas. Quais foram as reacções que suscitou United Red Army?
Depois da filmagem, ninguém quis me ajudar a financiar o filme. Do lado do poder, não queriam que eu fizesse este filme, incluíndo os partidos politicos de esquerda. O ministro da Cultura não me deu um cêntimo. Depois do filme, bastantes antigos participantes saídos da prisão puderam enfim falar publicamente. Foi o que permitiu a alguns, por exemplo o jornalista Tahara, de fazer uma auto-crítica, e as publicações sobre este tema multiplicam-se.
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