(On the set of Les Fruits de la Passion, 1981)
Portuguese Translation
Texto e entrevista tirada do dossier de imprensa original (1981)
Q: O que é o sexo para si, Shuji Terayama? Inscreve-se na tradição japonesa na qual devemos as mais belas manifestações eróticas da arte universal? Ou fascinado pelo Ocidente, sente-se influenciado pela herança de Georges Bataille em Les Fruits de la Passion?
T: Deixemos de parte essa questão imensa que levanta Bataille. Isso
levar-nos-ia a falar vagarosamente sobre a tradição ocidental do
erotismo. Para mim, o sexo é um modo de comunicação, uma forma de jogo,
um método para organizar o caos dos encontros e revelar o seu ser mais
obscuro. É uma das raras actividades de aposta que não precisa
necessariamente de dinheiro para se a praticar. É por isso que se opõe radicalmente à ciência ou ao desporto: o erotismo não existe senão no imaginário.
Q: Que resposta enigmática! Digamos muito simplesmente que na iconografia de Fruits de la Passion, conjugam-se signos eróticos do Oriente com os do Ocidente.
T: Eu não sinto essa dicotomia entre Oriente e Ocidente. A sua
interpenetração estimula o meu erotismo, como o fazem as pinturas de Utamaro ou
de Hokusai, por exemplo. Eu esforcei-me em criar um modo de
representação que me seja próprio. Fica a vosso cargo dizer se estou
ainda dependente dos códigos reputados japoneses ou ocidentais. Em Les
Fruits de la Passion, o erotismo está associado à incompletude ou à
doença. Vejam-se as inquilinas da casa das flores: uma tem a mania dos
mitos, a segunda é autista e a terceira uma tísica...
Q: Essas múltiplas representações de "ausências" compõem, em conjunto, a psique feminina?
T: Em todo o caso, elas complementam-se. Aquilo que uma inquilina não
tem, a outra tem. Elas vivem juntas porque são efígies de um mundo onde
tudo tem um valor de troca, o sexo como dinheiro, os objectos como
símbolos. Isto é o que O compreende no fim do filme: talvez ela consiga
começar a viver a partir do momento que não esteja mais submetida às
leis da troca.
Q: Na decoração da casa das flores, colocaram-se composições monocromáticas que nos parecem remeter para um imaginário especificamente cinematográfico. Isto foi meramente design, ou antes, queria denunciar a ilusão que você próprio instituiu? Que espera das técnicas de montagem?
T: Desde a infância, sinto-me atraido por Lautréamont, pelos encontros
inesperados que ele suscitava, unindo elementos perfeitamente
heterogêneos, tais como um guarda-chuva e uma máquina de costura numa
mesa de dissecação. Sawako Goda e eu mesmo inspirámo-nos por velhas
fotos para pintar as paredes que tinhamos integrado no décor em função
das personagens que os atravessavam.
T: O nosso mundo contemporâneo está dado sob o signo dessa ausência.
Quer se trate de política, de religião ou de erotismo, estamos todos à
procura do pai ausente. O, claro, mas os revolucionários também, que
esperam de Sir Stephen que seja o protector deles.
Q: Mas, comparativamente ao universo de trocas que simboliza a casa das flores, que lugar consigna à Revolução?
T: Os meus revolucionários são apenas os palhaços deste universo. Eles
não sabem ainda que a Revolução política não é mais do que um aspecto da
Revolução. O mundo das prostitutas aparece a cores, o dos revolucionários, a
preto-e-branco, pelo menos no princípio do filme. É o rapaz que faz a
ligação entre esses dois mundos. Assim que ele entra no mundo de O, o
filme muda totalmente para cores. Falava de "palhaços", mas não se
esqueça que os palhaços contribuiram muito para mudar o curso da
história. Sem a sua revolta, sem a loucura das minhas raparigas, poderia
a humanidade progredir?
(original french version in Les films libèrent la tête)
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